Como é que se vive a vida
assim como qualquer um que não seja eu? Como posso viver como você ou qualquer
um que você conheça? Só a nossa dor parece grande demais, pesada demais... Parece
mais fácil viver qualquer vida além da nossa própria vida, se esquecer...
Carregamos vidas inteiras
dentro de um corpo que morre por qualquer coisinha... Meu coração mesmo já
capotou dezenas de vezes, já sofreu atropelamento, já até cometeu suicídio e
continua nessa ideia de órgão pulsando em meu peito, dentro do peito.
A alma se quebra mil vezes em
mil pedaços e o esqueleto continua sustentando o corpo sem consciência nenhuma
do que aconteceu; apenas a sensação, cansaço, descontentamento...
Onde é que guardamos os
traumas, as dores? Meu ser carrega um peso que meus músculos jamais iriam
suportar.
Há um lugarzinho dentro de
mim que eu luto para que permaneça alegre, luminoso, um pouco vivo... mas não
sorrio. Abro os dentes pra qualquer cachorro, mas pra pessoas não.
Sou tão menor que eles, tão
infeliz, miserável: sustentando uma carga de ossos e fantasmas sobre duas
pernas que nem suspeitam, nem de longe, por onde caminharão seus pés, em que
estrada ou caminho e que caminho esse, alguém antes de mim passou, caiu,
correu, tombou, levantou-se e seguiu em frente, mesmo sem forças, ou cedeu não
suportando o fardo...
Outro dia eu vi um cadáver e
fiquei pensando no que é morrer: se tudo isso vai existindo dentro do meu
corpo, voluntária e involuntariamente, então depois que o corpo vivo desfalece,
acontece o quê? Eu quero uma certeza, ao menos essa. Esse corpo morto e a vida onde,
uma vida inteirinha, onde está? Silêncio.
Quantas vezes longe da
consciência eu posso apenas existir? Morrer deve ser tedioso. Viver também é:
ir fazendo o que se "têm" que fazer dia após dia e então o que? O que
é que vem depois? Qual é o ponto? Eu queria me apegar a alguma religião ou
estilo de vida apenas pra viver mais leve, ter uma certeza, ao menos uma...
Acho que é isso que a maioria faz: encontra um culto, uma família, algum motivo
além de si mesmo pra continuar existindo...
É admirável: ignorar todos os
instintos e ir vivendo. Não questionar. Amar acima de todas as coisas outro que
parece consigo, suportar seus medos, seus traumas, sua dor...ignorar a própria
dor, medos e traumas por esse outro e ir vivendo, juntos (que estranho!).
Ah! meus dedos doem
retorcendo-se ante essa agonia, consciência sobre as coisas e através delas e
além! Acho que a morte é não suportar mais isso.
Já me sinto cansada e meu
corpo viveu tão pouco.
Tão pouca idade e tudo que
senti/vivi anos luz a mais que isso. Sim, tornei-me distâncias.
Cante uma canção, deite
comigo a sombra de uma árvore: diante da natureza eu não preciso ser ninguém,
não sou nada e é tão bom!
Apenas as funções
involuntárias: coração batendo, pulmão funcionando, o sangue que eu nem sinto
correr na veia e o cérebro esse corpo estranho, como se não bastasse todo o
resto em minha cabeça.
Carregue em suas asas meu
pensamento, passarinho.
Voa!
Eu queria ser qualquer um que
não fosse eu, porque algo ainda não encaixa, não me caibo.
Acho que eu queria ser alguém
além de mim, já nem sei.