03121993

meu dia está cinza, chuvoso

refletindo minha alma, denunciando meu estado de espirito

olhei-me da cabeça aos pés

examinei-me ao espelho

alguma ruga nova?

algum traço que alarme a mudança?

que mudança aliás?

um ano se passa pra mim

outro ano se inicia

mas que dia é hoje se não a continuidade de toda a rotina?

o que antecede amanhã e que se torna a cada segundo, passado

não, nenhuma grande surpresa

nenhuma revelação absurda

nenhuma revolução

as flores desabrocharam pela manhã e murcharão no fim do dia

o vento passa por onde quer

os animais, as praças, as árvores, os edifícios

tudo permanece inalterado

a terra segue em seu curso ao redor de si mesma e do sol

o mesmo sol

porque haveria de querer, eu, algo explosivamente novo?

sou apenas mais um grão de areia arrastado por ondas esmagadoras

refletir-me?

o faço todos os dias a todo instante

não preciso que idade nova se complete

a cada instante sinto a vida escorrer pelos meus dedos

a medida com que envelheço, estranhamente, desvanecem as certezas

não deveria ser o contrário?

certezas?

abandonei-as todas

estou anos luz a frente da idade que aparento ter

sim, sou distâncias

todos esses olhares, desejos de felicidade, abraços e congratulações

deveriam ter algum efeito sobre mim?

não enxergo uma ruga que indique o passar do tempo

afinal envelhecer está além das aparências

mas ninguém pode ver além

a minha alma se estivesse a vista

quão enrugada pareceria!

deus! do peso de todas as coisas desse mundo

fadigada

débil

sente-se comigo

alguém?

quero ouvir histórias de pessoas e lugares que não podem realmente existir

o impossível é sempre uma grande novidade!

Morrissey canta pra mim a oração de todos os dias

“Please, please, please, let me let me let me, let me get what I want
Lord knows it would be the first time”

despi-me de querer

na ausência de religião

essa canção é fôlego que me impele continuar

hoje é o dia de meu nome

algo deveria acontecer

algo deveria mudar

mas não 

cante pra mim, por favor
cante baixinho pra que eu adormeça
você poderia?